quarta-feira, junho 22, 2016
O golpe de 2016 à luz da história!!!!
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O golpe de 2016
à luz da história
Muito boa e esclarecedora essa entrevista. Vale a pena ler, pois explica com clareza o por que de toda essa canalhice que está acontecendo no país.
O golpe de 2016
à luz da história
21 de Junho de 2016
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Professor de História da Universidade de Harvard, a mais
prestigiada instituição de ensino do planeta, nos próximos dias o brasileiro
Sidney Chalhoub estará no centro dos debates acadêmicos internacionais sobre o
impeachment contra Dilma Rousseff.
Naquele mesmo encontro de Nova York
ao qual Fernando Henrique Cardoso desistiu de comparecer pelo receio de ser
hostilizado em função de sua postura favorável ao golpe parlamentar de
abril-maio, o Conselho Executivo do XXXIV Congresso da Associação de Estudos
Latino Americanos (LASA), decidiu formar uma comissão de cinco acadêmicos, de
cinco países diferentes, que deverá produzir um relatório para responder a uma
questão específica: "determinar se as acusações contra a Presidenta Dilma
Rousseff estão de acordo com os parâmetros constitucionais estabelecidos para
processos de impeachment, se elas
têm credibilidade e se o parlamento brasileiro segue as regras processuais
devidas."
Único brasileiro da comissão, cinco livros publicados, com uma
carreira construída na Universidade de Campinas, onde se aposentou após 35
anos, Sidney Chalhoub foi escolhido como coordenador dos trabalhos.
Entre 18 e 27 de julho, os integrantes da comissão passarão uma
temporada entre Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro, consultando documentos e
ouvindo políticos, assessores e outros profissionais envolvidos no caso,
sejam aliados da presidente afastada, sejam de personalidades ligadas ao
governo interino de Michel Temer. Pelo prestígio da LASA, a maior e mais
respeitada entidade de pesquisadores sobre América Latina no mundo, o trabalho
está destinado a ter uma repercussão política evidente no desfecho da crise,
até porque as conclusões do relatório devem ser divulgadas dias antes da
decisão final do Senado. Autor de estudos que ajudaram a renovar a visão convencional
sobre a abolição da escravidão, demonstrando o papel real dos cativos na
conquista da liberdade, Chalhoub deu a seguinte entrevista ao 247:
247 -- Você costuma dizer que, vista em processos de longa duração, a
história brasileira tem um traço marcante: a cada momento de ampliação de
direitos das camadadas subalternas, segue-se uma reação forte das camadas
superiores, que procuram paralisar o processo e até fazer o país retroceder,
muitas vezes através da violência política.
SIDNEY CHALHBOUB -- Acho que podemos enxergar isso em
pelo menos três eventos importantes de nossa história. Não acontece apenas no
Brasil, é claro, mas aqui é um processo marcante. Podemos falar em grandes
avanço e retrocessos no período da Abolição, no final do século XIX. Também
assistimos a uma situação semelhante no início dos anos 1960, que foi
enfrentada pelo golpe militar de 1964. E podemos falar do mesmo processo agora.
Após um longo período de ampliação de direitos, que na verdade teve início
antes do governo Lula, temos a ascensão de um governo que pretende não só
barrar a ampliação este processo, mas revogar conquistas e melhorias acumuladas
ao longo de décadas, que podem chegar inclusive a CLT, que é de 1943.
247 -- Como podemos explicar os avanços e retrocessos no século XIX?
CHALHOUB- No caso da abolição, foi tudo muito claro e explicito. A cada
passo favorável a emancipação dos escravos, seguia-se uma reação contrária. A
lei de 1871, que permitia aos escravos comprar a própria liberdade, pagando
pela alforria, foi produto de uma disputa duríssima, que durou um ano inteiro e
paralisou o país numa das grandes crises do Império. O debate envolvia
convicções profundas do Brasil daquele tempo. Os proprietários de escravo não
só achavam que era natural manter uma pessoa sob o regime de cativeiro. Também
consideravam inaceitável que alguém tivesse o direito de comprar a própria
liberdade, mesmo pagando um valor equivalente ao que se poderia definir
como valor de mercado. Além da perda econômica, eles não aceitavam a conquista
de direitos da outra parte. Não se podia conviver com a ideia de que um antigo
escravo pudesse tornar-se uma homem livre por sua própria iniciativa. Para além
das questões de natureza econômica, havia essa questão fundamental, política.
De certa forma, este era o ponto mais importante.
247 -- O que veio depois?
CHALHOUB -- Nos anos seguintes, com mais
intensidade na década de 1880,a obtenção de alforria a revelia da autorização
dos senhores era uma realidade social inegável. Os escravos nem sempre tinham
recursos para comprar a liberdade mas se organizavam coletivamente, de uma
forma que hoje poderíamos chamar de cooperativas, conseguindo libertar um bom
número de cativos. Faziam coletas, recebiam apoio. Com o tempo, eles se
tornaram uma força social e política ponderável. Uma das respostas a isso
foi a lei eleitoral de 1881, que proibia o voto dos analfabetos. Até
então, achava-se natural que toda pessoa livre pudesse votar em eleições. A
ausência de educação formal, num país onde o ensino era acessível a poucas
famílias, fez com que a lei que proibia o voto dos analfabetos vedasse o
exercício de direitos políticos por parte da geração de negros que emergia da
escravidão na década de 1880. O mesmo ocorreu com seus descendentes, pois a
exclusão política dos analfabetos só seria abolida um século depois, em 1988,
na Constituição escrita após a ditadura. A proibição do voto dos analfabetos,
se não visava explicitamente, de fato alijou os ex-escravos da política formal.
Foi uma medida contra os direitos políticos dos negros. Isso parece ser uma
tradição em sociedades onde o cativeiro teve uma função social importante.
Mesmo nos Estados Unidos, onde as condições da abolição foram inteiramente
diferentes, essas restrições ao voto dos negros sempre existiram e ainda
existem.
247 -- Muitas pessoas definem a proclamação da República como uma reação
dos fazendeiros contra a Monarquia que aboliu a escravidão. Está correto?
CHALHOUB -- Não há dúvida de que uma das causas
do golpe republicano de 1889 foi a insatisfação dos cafeicultores fluminenses e
paulistas com a Abolição e o fato de eles atribuíram a Coroa um certo
protagonismo no processo. O papel da Coroa não deve ser exagerado, porém.
Quaisquer que fossem as convicções da família imperial, a Coroa conviveu com a
escravidão por várias décadas e, em 1888, respondeu a uma pressão
crescente da sociedade e também ao isolamento do país no mundo -- vanguarda da
retaguarda, o Brasil foi o último país da América a abolir a instituição da
escravidão. Naquele momento, de afirmação de noções típicas da sociedade
burguesa, como democracia, liberdade, direitos do indivíduo, o cativeiro era um
fator insuportável, que colocava o país em descompasso com o mundo dito
civilizado. Também era um elemento de crise interna. Nos processos de alforria,
o judiciário dava ganho de causa aos escravos com frequência, o que acelerava
as contradições de uma sociedade fundamentada no trabalho escravizado, de
homens e mulheres que em tese não podiam ter acesso a nenhum direito. Um dos componentes
da crise final da escravidão, no verão de 1887-8, foi uma fuga massiva de
escravos das fazendas de café, num processo de luta e rebeldia que demonstrava
uma situação fora de controle.
247 -- Neste contexto, como foi a reação dos antigos senhores de escravos?
CHALHOUB -- Foi violentíssima. Em linguagem de
hoje, eles criaram uma ação afirmativa ao contrário.
247 -- Como assim?
CHALHOUB -- Sem negar que a República é uma
forma de governo mais compatível com os valores de nossa época, cabe reconhecer
que ela nasceu, em nosso país, em grande medida para interromper a ampliação de
direitos que necessariamente deveria ter seguido o fim da escravidão. Esta é
uma de suas origens. Não por acaso, os fazendeiros de São Paulo decidiram criar
um programa de imigração subsidiada de europeus. Estes foram trazidos ao
país em condições que, mesmo incluindo dificuldades e sacrifícios,
certamente não tinham comparação com a realidade dos navios negreiros, até
porque eram programas voluntários. Aqui, o imigrante entrava no sistema de
colonato, que lhe permitia acesso a uma parte da terra para o plantio. Não era
o ideal mas era vantajoso em relação a experiência anterior dos escravos. No
caso da Província de São Paulo, a imigração em massa de europeus e o racismo
dos empregadores dificultaram a incorporação dos ex-escravizados e seus
descendentes ao mercado de trabalho.
247 -- Qual a semelhança entre 1964 e 2016?
CHALHOUB -- A
interpretação corrente para o golpe de 64 descreve uma radicalização de
conflitos de classe que, em determinado momento, se tornou tão acirrada que não
cabia nas instituições existentes. Eu acho que essa interpretação até
ajuda justificar um golpe, pois sugere que não havia outro jeito de sair
da crise a não ser por uma ruptura institucional. Só que a realidade não era
esta, como mostram pesquisas mais recentes, que apontam para outros
fatores importantes. O que havia era a recusa política por parte de setores da
classe política e empresarial em aceitar avanços que ocorriam normalmente
dentro das instituições existentes, de modo pacífico e perfeitamente legal. O
grande foco de mudanças se processava pela Justiça do Trabalho, que, após anos
de existência, mostrava-se capaz de cumprir seu papel.
247 -- Como assim?
CHALHOUB -- Essa descoberta, que permite
reinterpretar todo um período histórico, não é minha. Encontra-se num
trabalho essencial, de livre-docência, do professor Fernando Teixeira da Silva
que, infelizmente, ainda não se encontra disponível em livro. O professor
mostra que nos anos anteriores ao golpe ocorre uma evolução na postura da
justiça do trabalho, com uma frequência grande de resultados favoráveis aos
assalariados. Essa era a grande mudança. Não era radicalização. O que havia era
a ampliação de direitos, como hoje. É outro exemplo de radicalização das
elites, não dos trabalhadores, como já ocorrera na crise de extinção da
escravidão.
247 -- No livro Visões da Liberdade, você critica estudiosos que não
reconhecem o papel do escravo na luta pela liberdade. Um dos criticados é
Fernando Henrique Cardoso que, nos tempos acadêmicos, fez pesquisas sobre a
abolição da escravatura, em especial nos estados do sul do país.
CHALHOUB -- No momento em que publicou seus
trabalhos, Fernando Henrique e outros intelectuais de sua geração ajudaram a
questionar a noção oficial da época, que dizia que vivíamos sob uma democracia
racial. Foi uma contribuição importante, que deve ser reconhecida, e que teve
início com os trabalhos de seu professor, Florestan Fernandes. Todavia, a visão
de Fernando Henrique sobre o escravo, enquanto sujeito político, em Capitalismo
e Escravidão no Brasil Meridional, é muito negativa. No livro dele, os escravos
aparecem como incapazes de ações políticas autônomas. De certa forma, a visão
do Fernando Henrique é calcada numa vertente do abolicionismo do século XIX, em
especial na figura do Joaquim Nabuco. Nabuco achava que setores da classe
dominante tinham de assumir a responsabilidade de terminar com escravidão para
não correr o risco de que os próprios escravos o fizessem.
247 -- Qual era o risco de que Nabuco e outros
autores falavam?
CHALHOUB -- Nabuco temia que o suposto despreparo
político dos negros, devido ao legado da escravidão, fizesse com que eles
recorressem a violência contra a sociedade inteira, se o desespero os levasse a
tomar a luta em suas próprias mãos. Por isso ele achava importante o
protagonismo da Coroa e do parlamento, sob pressão dos abolicionistas. Ao
final, a expansão dos direitos dos escravos durante o processo de extinção
gradual da escravidão (alforria por auto-compra, não separação de mães e filhos
nas vendas, etc) provocou a ira e a rebelião dos senhores, o que ajudou a
derrubar o regime monárquico.
247 -- Você acredita que a postura política de
Fernando Henrique em relação aos governos Lula-Dilma reproduz aquilo que
escreveu sobre os escravos?
CHALHOUB -- A
postura dele revelava uma dificuldade essencial para aceitar a figura do
trabalhador -- escravo ou não -- como sujeito político coletivo, capaz de atuar
por seus direitos. Acreditava que a violência do cativeiro fora capaz de
reduzir o escravo a uma coisa, incapaz de consciência e vontade. Vejo essa
semelhança.
247 -- Como você enxerga o apoio dele ao golpe
de abril-maio?
CHALHOUB -- Eu acho lamentável que, neste
momento, o Fernando Henrique esteja negando sua própria história e tenha
preferido jogar fora uma herança importante. Não vamos esquecer, por exemplo,
que seu governo reconheceu a necessidade da luta contra o racismo e a
legitimidade de políticas de ação afirmativa. Posso até entender que deve ser
muito difícil sofrer quatro derrotas seguidas em eleições presidenciais. Deve
ser duro. Mesmo assim, não consigo entender uma guinada tão radical, para fazer
uma aposta aventureira. Mesmo que não nutrisse muitas expectativas em relação
ao ex-presidente, confesso que estou decepcionado, não esperava que fosse
tão longe.
247 -- Você fez um artigo onde comparava o
juiz Sérgio Moro a Simão Bacamarte. Para quem não lembra, Bacamarte é um
personagem de um conto de Machado de Assis que, deslumbrado com as novidades da
psiquiatria europeia, acaba internando uma cidade inteira num hospício. No
final, ele mesmo vai morar na instituição. O que há em comum entre os
personagens?
CHALHOUB -- No
conto, Machado de Assis discute o espírito missionário, de salvação nacional,
que surge com frequência na história do país. Naquela época, de grandes
epidemias e primeiros sinais de colapso das grandes cidades, eles se
concentravam nos médicos e nos engenheiros. Eles poderiam supostamente impedir
nossas doenças e tornar nossas cidades habitáveis. Não fariam isso através da
política, mas através da técnica, de um conhecimento supostamente científico,
fora do alcance do cidadão comum. A utilidade do pensamento de Machado, um
observador político muito mais atento do que se costuma reconhecer, é mostrar
que esse tipo de visão pode até trazer benefícios reais, mas abre caminho para
todo tipo de abuso e atos arbitrários.
247 -- Em tempos recentes, quais antecedentes podem ser lembrados?
CHALHOUB -- No
final da ditadura militar, a crise econômica transformou os ministros da
Fazenda em personagens sagrados. Eram tratados como divindades, por uma
população convencida de que sofria do "vírus da cultura
inflacionária" que só os economistas sabiam como curar. Perdemos a conta
de quantos pacotes foram baixados sem consulta popular, todos fracassados.
Chegamos a aceitar o confisco da poupança dos brasileiros, a permitir que os
depósitos bancários fossem travados. Só quando a política ocupou seu lugar é
que as questões reais puderam ser encaradas e até certo ponto resolvidas. Hoje
o Judiciário tem hoje um poder imenso, sem paralelo. A tese é que "tudo é
corrupção e todos são corruptos." A partir daí, cria-se o arbítrio, que é
o caminho para a seletividade, para o uso político da Justiça. Nós temos
vazamentos preocupantes, há bastante tempo. Dias antes da eleição presidencial
de 2014, saiu aquela reportagem dizendo que Lula e Dilma "sabiam" dos
esquemas de corrupção. Como é que isso nunca foi investigado? Nossos juízes agora
falam muito, sobre qualquer assunto. Deveriam adotar uma postura compatível com
a posição de magistrados.Sobre matérias pertinentes a sua obrigação de ofício,
deveriam falar nos autos e ponto final.
247 -- Nesse ambiente, como você encara o
afastamento da Dilma?
CHALHOUB -- Quem estuda a vida cotidiana dos
trabalhadores e das pessoas pobres sabe que vivemos num país onde vigoram
regras que a qualquer momento podem jogar um cidadão na ilegalidade. Todo mundo
conhece a história do cidadão que mora há 20 anos num lote de terra até que um
dia aparece um sujeito com documentos que dizem que é o legítimo proprietário e
o outro deve ir embora em uma semana. Basta escutar tantos sambas da deçada de
1950 e 1950, cantando as tristezas das remoções de favelas, da pressão e violência
contra comunidades inteiras, em nome de ilegalidades mais ou menos
arranjadas. Não somos um país de corruptos nem delinquentes. O Brasil é
mais complexo, felizmente. O combate a corrupção é indispensável mas não é
panaceia universal. Nosso sistema legal tem regras múltiplas, contraditórias e
incoerentes. Essa situação cria um espaço infinito para se agir
arbitrariamente, porque a cada dia você pode mudar a interpretação de
determinada lei, de uma regra, e aplicá-la seletivamente. E aí chegamos ao impeachment,
com base nas chamadas pedaladas fiscais. Sempre foram aceitas e são utilizadas.
Não há motivo para uma autoridade supor que aquilo que podia ser feito há um
ano não possa ser repetido agora -- a menos que tenha ocorrido uma mudança na
legislação em vigor. Não. Basta mudar a interpretação da mesma lei, por um
órgão que é tem uma função de assessorar o Congresso, pelo Tribunal da Contas
da União, para você ter base para uma condenação.
247 -- É possível antecipar o resultado dos
trabalhos da comissão que virá ao Brasil?
CHALHOUB -- Não. Tenho minhas opiniões, que não
escondo de ninguém. Mas tenho o compromisso de fazer um trabalho sério, de
conhecimento dos fatos e das versões das partes em confronto. sem ideias
precoIsso quer dizer que ao longo das pesquisas e depoimentos posso conhecer
argumentos novos e mudar de opinião. Tenho muito para estudar e aprender sobre
este processo conturbado. Não conheço pessoalmente nenhum dos demais
integrantes da comissão, que foi constituída pela LASA sem que eu opinasse. Não
sei o que seus membros pensam sobre o impeachment. Mas tenho certeza de que
todos têm o compromisso de conhecer os fatos e versões para ao final elaborar
um juizo sobre o tema e apresentar um relatório.
É isso aí!!! e Somado ao empecilho que o Governo Dilma representava à manutenção do sistema de saques ao tesouro público, tivemos esse golpe já admitido até pelo Rato-Mor Michel Temer.
Tico